"Se
todos quisermos, podemos bem, com inteligência, lucidez, determinação,
pragmatismo e elevação cívica, reconstruir no nosso Portugal
Escrevo
estas linhas cinco dias após o 25 de Abril e dois dias antes do 1.o de
Maio. São datas que mexem sempre comigo, em relação às quais mantenho o
hábito de reflectir por mim próprio e que guardo no coração e bendigo
porque as sinto como fonte potencial de renovação e de abertura de novos
caminhos para tudo e para todos os que mais amo: Portugal, os
portugueses, os amigos, a família e em especial os meus filhos e os meus
netos.
O 25 de Abril de 1974 e o primeiro 1.o de Maio apanharam-me na força
da minha vida pessoal e em velocidade de cruzeiro da minha vida
profissional. À data, com 33 anos, estava casado, tinha três filhos e
era director jurídico da Inspecção de Crédito e Seguros, que fiscalizava
os mercados monetários, cambial e financeiro (correspondente hoje aos
reguladores das actividades bancária e seguradora). O futuro surgia-me
então como uma dádiva inesperada e uma promessa secreta!
Nos anos que se seguiram os sonhos bons e os sonhos maus, as ilusões e
as realidades, as alegrias e as tristezas, as virtudes e os pecados, as
acções e as omissões, os esplendores e as inquietações pessoais,
profissionais, sociais e políticas, individuais e colectivas,
sucederam-se e alternaram a um ritmo impressionante na correria dos
dias. A vida nua e crua, desnudada no quotidiano real, impôs-se-me ao
longo de 40 anos com a força das suas luzes brilhantes e das suas
sombras espessas.
Sem bem saber porquê, este ano, entre aquelas duas datas grandes,
invade-me uma sensação de aperto. O coração bate-me menos ritmado e a
inteligência discorre-me mais lentamente. E não me apetece escrever nada
de empolgante. Mas como aprendi e me deixei cativar pela ideia de que
as pessoas estão sempre primeiro e de que com as pessoas podemos mudar
os nossos mundos e os determinismos e as fatalidades por que facilmente
nos deixamos aprisionar, não resisto a deixar uma sugestão que, não
sendo fácil, acredito ser concretizável.
Se todos quisermos, podemos bem, com inteligência, lucidez,
determinação, pragmatismo e elevação cívica, reconstruir no nosso
Portugal, para lá de uma democracia formal, um regime democrático
substancial de que muitos sentem falta.
Os eleitores terão para isso de convencer, porventura forçar os
partidos políticos a abrir-se à sociedade civil e, a par dos seus
núcleos estáticos de militantes, a atrair pessoas de fora, novas
competências e saberes, amor renovado ao bem comum, dedicação altruísta
ao serviço público e força, condições e capacidades para sobrepor sempre
o poder político democrático aos poderes e aos interesses económicos e a
todos os outros poderes e interesses fácticos.
A acção política tem de ter apenas em conta a vontade popular, o voto
maioritário dos cidadãos. Os eleitos, detentores do poder político
transitório, terão de assumir em permanência a representação do povo que
os escolheu, de agir em nome e por conta dos eleitores e de lhes
prestar regularmente e em palavras simples contas das suas decisões. Têm
ainda os titulares do poder político democrático de assumir as suas
responsabilidades sempre que se desviem do mandato que o voto popular
lhes confiou e prestar-se a ser avaliados e responsabilizados pelos
cidadãos em tempo útil.
Cola-se também à pele de uma democracia substancial que os eleitos do
povo dêem exemplo permanente e publicamente visível das virtudes e dos
princípios éticos, morais e sociais que constituem a base e o suporte da
sociedade, em especial na gestão imaculada dos dinheiros públicos e na
protecção devida aos mais fracos, frágeis e humilhados do país.
Esta poderia ser bem uma homenagem a concretizar quando passam 40
anos da nossa democracia e evocamos 40 dias internacionais do
Trabalhador."
Carlos Moreno
(Juiz-conselheiro jubilado do Tribunal de Contas)
Retirado de:
http://www.ionline.pt/iopiniao/entre-25-abril-1-maio/pag/-1
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